A história da carga perdida e o desassossego na boda
(Terceiro episódio)

O mecanismo do moinho é algo que os três rapazelhos, vindos da festa do casamento a mando da noiva, estão já habituados a observar, sem, contudo, ligarem muita importância à complexidade do seu funcionamento.
Arrumado o pão-de-ló e retirada a rolha do gargalo da botija – a garrafa que
ficara do marido exatamente como a deixou quando partiu –, a tia Alice
Carolina ia andando atarefada de um lado para o outro, antes de distribuir
pelos três copinhos pequenas quantidades do líquido da garrafa, que sabia ser
precioso conforme o seu Zé a informara em vida. Ali desabafou um pouco,
contando algumas das suas amarguras, enquanto os moçoilos escutavam e
admiravam a espessura e suave doçura daquele vinho antigo que uma alma
caridosa um dia oferecera ao marido da tia Alice.
– Mas, meus “filhos”, tristezas não pagam dívidas, como costuma dizer-se. Por
isso, vamos embora que se faz tarde!
Continuava assim a moleira num trabalho constante, enquanto de soslaio
apreciava a ingenuidade dos olhares daquelas crianças a quem tinha confiado
por instantes uma pomada da melhor qualidade.
Os moçoilos, guichos que eram, entreolhavam-se sem proferirem qualquer
palavra. Numa espécie de código ininteligível, apenas sorrisos e mexer
espontâneo de pernas e braços se confrontavam com o distanciamento maior ou
menor da tia Alice e dos seus passos a marcarem o ritmo de trabalho.
Se os primeiros tragos de néctar foram ingeridos com certa cerimónia, os
segundos e os seguintes foram absorvidos com tal rapidez que à tia Alice era
impossível acompanhar tal destreza.
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