Ao contrário do vizinho, a tasca do Tinho
Apagaram-se já algumas luzes do céu e uma nesga de lua espreita pelo
postigo, só, para além da porta da tasca do Faustino, o único restaurante fino
da freguesia, conforme ele mesmo faz crer aos seus clientes.
Todas as noites, já hora tardia, permanece o cheiro a alho retardado nas
sobras espalhadas junto às cascas por cima da banca e no fundo de duas grandes
malgas lubrificadas de azeite. Da lareira restam umas lascas de lenha mal
queimada, envoltas por grande quantidade de cinza com pequenas cavidades onde
estrategicamente se alojaram inúmeros caroços de azeitonas.
No mesmo espaço da cozinha, configura-se a sala de jantar com uma mesa de
madeira tosca, ao centro, acompanhada à distância de meia dúzia de bancos e
duas ou três cadeiras mal-amanhadas. Digo duas ou três, pois uma delas, de
quando em vez, serve de contraforte à porta de entrada que insiste em
permanecer aberta, sendo necessário encerrá-la nas noites de frio, como é
agora o caso.
A pouca luminosidade existente no espaço exótico do dono do empreendimento
fica a dever-se ao satélite, a rondar os céus do lugar, e ao candeeiro de
canto com duas lâmpadas, filamento derretido numa delas, lá colocada pelos
vistos na noite anterior só para marcar presença, e a outra coberta de
substancial camada de gordura que, mesmo assim, deixa trespassar alguma
claridade, entranhando-se pelas paredes em manchas de cores numa estrutura
caótica, resultando, no entanto, algum encanto e uma certa compostura
artística.
Ao contrário do restaurante do vizinho, de toda a comida se faz, ali no
Faustino, ou Tinho como alguns gostam chamar-lhe. É só pedir! E sobre os
condimentos que junta aos petiscos, respostas dá-as num instante e de modo a
convencer quem com ele se atreve de contrariedades, pois mesmo não sabendo,
explica! De boina pendida, perdida para uma das sobrancelhas, não se cansa de
afirmar que não há bichice que ali entre, pois os medos de alguns
frequentadores têm este ano impedido melhor negócio.
No fecho do dia, ou melhor, da madrugada, aos poucos resistentes pede desculpa
pelas frontalidades, prometendo que amanhã ali se encontrará com a mesma
disposição, e todos os sábados, lembrem-se, o apetitoso bacalhau continuará
assado na brasa com o mesmo sabor, mesmo que as ajudas políticas continuem na
tendência habitual.
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