Era transmontano o soldado Milhões
por Barroso da Fonte
Herói Nacional da I Guerra Mundial
Nasceu em Valongo de Milhais, concelho de Murça, em 9 de Julho de 1895.
Faleceu em 3 de Junho de 1970. O heróico soldado, gastando as suas munições e
aquelas que os seus camaradas iam deixando à medida que tombavam, manteve os
alemães em respeito, o que facilitou a retirada aos fugitivos. Esse gesto que
contrariava as ordens do seu comandante, evitou a carnificina humana que seria
muito mais catastrófica do que foi. Aníbal Augusto Milhais, seu verdadeiro
nome, regressou ao seu batalhão, depois de vaguear sozinho, à deriva, facto
que mais enobreceu a sua clarividência, lealdade e bravura. Logo aí foi
condecorado com a Ordem de Torre e Espada do seu comando e, ainda em França,
é-lhe conferida a mais alta condecoração a que um soldado raso pode aspirar.
Em 1919 regressa a Portugal, passa pelos quartéis onde prestara serviço
(Bragança, Chaves e Tomar) e recolhe a Valongo que deixou de ser de Milhais
para ser reconhecido, mais tarde, como Valongo de Milhões. Esse topónimo
foi-lhe imposto pelo seu Comandante, Major Ferreira do Amaral, quando lhe
disse, perante os seus camaradas: «Tu és Milhais, mas superaste Milhões».
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Aníbal Milhais, o soldado Milhões |
O destemido soldado Transmontano – protótipo perfeito do carácter do seu povo
– reintegrou-se entre os seus conterrâneos, com a simplicidade que o
caracterizou em toda a vida. Só o baralhavam as sucessivas manifestações de
alto apreço, ora nas estações do comboio que o trouxe de Tomar, ora nos
governos civis que dele se serviam para campanhas partidárias, ora, mais
tarde, em pleno Estado Novo, quando, a troco de uma pensão mensal de 15
escudos, era convocado para fazer fretes aos políticos do tempo. Para receber
essa pensão de 15 escudos, tinha que gastar 30 para ir a Murça recebê-la. Tal
incoerência durou até 1952, ano em que, após tantas reclamações, de entidades
públicas e manifestações privadas, o ministério do exército passou a dar-lhe
480 escudos mensais.
Milhões partira com 20 anos. Passou à disponibilidade com 24. Casou com a
Teresa de quem teve onze filhos dos quais apenas vingaram oito. Jaime, o mais
velho quis seguir as forças armadas. Ingressou na Força Aérea. Mas faleceu dia
20 de Junho de 1950, numa viagem entre Sintra e Lisboa, onde fora tratar da
papelada que tinha a ver com a sua mobilização para o Ultramar Português.
Deslocara-se de moto. Foi abalroado por um camião. Faleceu com 24 anos. Os
restantes sete filhos tiveram vida normal, nunca beneficiando do facto do Pai
ter sido o Herói mais decisivo da Batalha de La Lys em 9 de Abril de 1918.
O que é facto é que esse herói, ao regressar da guerra teve que emigrar para o
Brasil. Correra uma subscrição pública a favor do pobre de bens terrenos que
regressara pobre como partira. A colecta rendeu vinte e tal mil escudos que
não davam para a casita que Milhões ansiava para acolher a mulher e filhos.
Entendeu emigrar para o Brasil. Mas nessa altura, como hoje, a imprensa trouxe
a notícia às primeiras páginas. – Como é possível o soldado português
mais medalhado do país ter de procurar no estrangeiro a sua sobrevivência?
Aí chegado entendeu a comunidade Portuguesa assumir o papel do poder
republicano que governava o país: recolher o dinheiro possível para entregar
ao valente herói Milhões que dessa forma regressaria a Valongo de Milhais para
concluir a sua casita. Com a família a aumentar e a simplicidade do heróico
Transmontano a saber gerir o que a benemerência e o trabalho de campo lhe
permitiam, resultou na melhor habitação de Valongo que foi também a primeira a
ter luz eléctrica.
Em 1938 abriu uma delegação da Legião Portuguesa que fora fundada dois anos
antes. Ao soldado Milhões coube o nº 125 dessa Agência. A nível nacional teve
o nº 54 029. A partir dessa data, ele que até aí, ia sempre que convocado,
vestido com a farda militar, passou a ir às unidades militares a que
pertencera: o RI 30, de Bragança, o RI 19 de Chaves e ao 13 de Vila Real. E
levava a farda da legião. Essas unidades comemoravam rotativamente o 9 de
Abril, onde Milhões nunca faltava, como símbolo máximo. Dele falou mais a voz
do povo do que os jornais e os livros. Nunca enriqueceu com os proventos da
sua heroicidade. Ao contrário do que hoje acontece. Há heróis fáceis em todas
as esquinas e quase todos escrevem a sua própria epopeia. Dinheiro não lhes
falta.
A Câmara de Murça presidida por José Gomes, assinalou os cem anos do
nascimento deste herói, com uma cerimónia condigna, em 9 de Julho de 1995. Lá
continua a bem merecida prova no Largo. O autor deste apontamento teve o
privilégio de ser o orador convidado para essa homenagem.
Em Junho último adquiri a obra do Jornalista Francisco Galope, a que chamou O
Herói Português – da I Guerra Mundial – De anónimo nas trincheiras a herói
nacional, a história de Aníbal Milhais.
Livro interessante, pecando por não referir essa honrosa homenagem da Câmara
de Murça.
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