O ideal de felicidade de Bento da Cruz
por Barroso da Fonte
Quero «viver apaixonadamente e morrer a tempo»
foi o ideal de felicidade de Bento da Cruz
foi o ideal de felicidade de Bento da Cruz
Convivi com Bento da Cruz na Barragem de Pisões na década de sessenta. Em 30
de Junho de 1962 abandonei o Seminário de Vila Real. E, nos primeiros dias
de Julho seguinte, fui ali pedir emprego, recorrendo ao Senhor José Cruz que
tinha sido primeiro sargento militar e que vivia maritalmente com minha
prima, Maria do Carmo, professora do ensino primário. O seu Pai era
conhecido pelo «Tio Vicente Terré», de Codeçoso que casara para Gralhós,
onde a filha nasceu. Curiosamente veio a ser a professora que preparou para
a quarta classe o atual Presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes,
António Chaves, que curiosamente foi o maior confidente e biógrafo de Bento
da Cruz.
O inspetor José Dias Baptista que foi meu condiscípulo de Seminário em Vila
Real, desde o primeiro ano até que o abandonou para casar com a «Mingas»,
seu amor de sempre, desde cedo se iniciou nos trilhos da escrita e também do
Jornalismo, tal como eu e o Bento da Cruz.
O Bento era mais velho (1925) e optou por Singeverga. Acabámos por
reencontrar-nos os três, na Barragem de Pisões. A obra que alterou,
radicalmente, o coração de Barroso, fez desse estreito da planura mais
fecunda das margens do Rio Rabagão, palco do mais populoso acampamento que o
amplo concelho de Montalegre teve. No auge da obra que se prolongou por toda
a década de 1960/1970 terá sido habitado por cinco a seis mil pessoas, entre
trabalhadores e familiares, para o que foi preparado o «bairro definitivo» e
as habitações para os quadros superiores e operariado. Às habitações foram
adicionadas estruturas essenciais: mercado, escolas, ginásios, piscinas,
parques desportivos, albergaria, restaurantes, correios e gabinetes médicos.
Após a inauguração os quadros acompanharam a HICA para outras obras; e os
tarefeiros e indiferenciados desertaram para onde o destinos os levou:
emigração, desemprego ou ocupações domésticas.
O lugar do Pisão foi promovido a aglomerado populacional. Aquele que foi o
bairro dos trabalhadores e estruturas de apoio ficou abandonado. Alguns por
ali ficaram, à míngua de melhor destino. E do pisão (engenho movido a água)
de pisoar o burel das capuchas e mantas caseiras, ficou um sítio geográfico,
com direito a paragem das carreiras regulares; o antigo escritório que lhe
servia de apoio, virou café; e nas melhores habitações passaram a residir
alguns técnicos e famílias que garantem o apoio logístico ao empreendimento.
Como disse, quis o acaso que os três barrosões, fertilizados para as letras
pelas águas do mesmo rio, ali nos encontrássemos. O Bento como médico
dentista, ao serviço do pessoal da HICA; o Zé Baptista, como professor do
ensino primário. Nascera ali perto, na Vila da Ponte, tal como a Mulher e
dali nunca quis sair. Eu próprio, como Fiscal da Hica, ali me mantive, até
24 de Janeiro, dia em que ingressei na vida militar, em Mafra.
Inaugurada a albufeira, só o Zé Baptista por ali ficou. Fez-se à vida.
Licenciou-se em História e optou por derivar. Cansado de dar aulas,
concorreu à Inspeção e atingiu o topo da carreira. Nisso ganhou ao Bento e a
mim, porque passou a vida inteira sem sair do berço do país Barrosão.
O Bento radicou-se no Porto, montou consultório e fez aquilo de que gostava.
Eu, no regresso da guerra no Ultramar, fixei-me em Chaves e fiz-me à vida. A
minhota que ao terceiro noivado me demonstrou as virtualidades míticas da
água da mijareta, tendo ela nascido no Centro Histórico de Guimarães, foi
colocada em Chaves. Por artes do mafarrico, a responsável pelos Serviços
destacou-a para Montalegre. Casando eu com ela cumpriu na perfeição as
virtualidades míticas daquela água, reconfirmadas pelo Padre Fontes.
Acabei por fixar-me em Chaves, onde lecionei, e exerci as funções de chefe
de Redação do Notícias de Chaves, semanário, onde colaborava desde 1962.
Esta ligação ao mais influente jornal de Chaves, foi passaporte para muitas
ramificações que estabeleci com a sociedade, com a cultura e com os amigos
que me prenderam à vida e às ocupações que contraí pelos anos adiante. Uma
dessas ocupações teve a ver com Barroso e com os Barrosões, nomeadamente com
Bento da Cruz que por essa altura acabara de publicar as Filhas de Lot.
Depressa me integrei na comunidade Flaviense a ponto de, por concurso
público, ser o primeiro funcionário do Centro de Emprego de Chaves que
cobria os concelhos da região do Alto Tâmega. Mas foi através do Jornal que
tinha como diretor o Prof. Soares Pinto, que pude envolver-me no mundo das
artes e das letras. Verdadeiramente só a partir daí contextualizei a vida e
a obra de Bento da Cruz que pela sua boca fui informado de que ainda éramos
aparentados, por via de meu avô paterno que tinha nascido em Peireses e que
cedo emigrou para os Estados Unidos, de onde nunca mais regressou.
Infelizmente nunca cheguei a conhecê-lo.
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