A arte da cantaria e do perpianho
por Jorge Lage
Os canteiros de Abadim - Terras de Basto
Ou pedrinha!
Ó grande pedra! Oupa!
Ou! Ou! Pedrinha!
Ó grande pedra! Oupa!
A arte da cantaria e do perpianho |
Há muito tempo me encantei pelos poemas, recordações e escritos do amigo
Abílio Bastos, carpinteiro de profissão, de grande carácter. Emigrante de
sucesso e artista da madeira na América. Por isso convenci-o, contra a sua
vontade, a ir-me passando algumas memórias escritas. Assim, partilho mais um
«poema inédito» de 1963 e que nos fala da arte da pedra dos canteiros.
Mais,
este curto apontamento etnográfico, da dura e artística labuta da pedra,
aparecendo a quadra abaixo como forma de aliviar o esforço titânico dos
pedreiros, fazendo, com ajuda de roldana, içar as cantarias trabalhadas para
as paredes das casas.
Em 1960, os artistas de Abadim (sob a orientação do
mestre) reconstruíram a Igreja de S. Nicolau, ordenada pelo grande abade
Evaristo. Os canteiros bateram as rochas da região e foram encontrar a melhor
textura do granito a Moinhos de Rei, um lugar encantado e cantado pela
Natureza. E a seguir à Igreja ergueram a casa do Afonso pedra a pedra
aparelhada e talhada para a parede.
O que dizia então o jovem Abílio que
serrava, aplainava, torneava e aplicava a madeira:
«Durante uns meses,
partilhei o caminho com artistas da minha terra, a quem chamava índios, porque
seguiam em fila indiana por montes e ladeiras. Construíam uma casa chamada do
Afonso «Gordo» (polícia reformado), no lugar das Lameirinhas, em S. Nicolau de
Basto (Cabeceiras de Basto). Dois madeiros cruzavam-se no ar, atados pelas
pontas, e ficavam separados na parte inferior que assentavam no chão. Era grua
(artesanal) com uma corda, uma roldana, e um gancho... O Martinho, era um
jovem pedreiro, e cantava a pedra que lentamente subia, puxada por homens, até
poisar no lugar onde um artista com o seu ferro de acento a fazia encaixar.
A
melodia era tão linda que um rapaz (o Abílio) ficava à espera da próxima
pedra.
- Cada uma tinha direito a música (em voz cadenciada, do Martinho,
ou do Morais, ou do Zé), à medida que era içada com a força braçal:
Ó grande pedra! Oupa!
Ou! Ou! Pedrinha!
Ó grande pedra! Oupa!
E parecia subir sem qualquer esforço, tal era o encanto que à sua volta
se criava. No momento que a pedra assentava na parede, o Martinho
vingava-se, na voz, do esforço braçal gasto, terminando com o verso:
Ó grande p...(uta)!
Os índios da minha vida ou filhos da terra batida
Os índios da minha vida,
Vagueiam montes, ladeiras
Filhos da terra batida
E banham nas cachoeiras.
O perfume que levantam,
Tríade que vem do chão,
As melodias que cantam
São compostas pela razão.
Pouco tempo depois, o Martinho partiu e
levou a sua voz para sempre. A voz do encantador de serpentes!... Neste caso,
particular, de pedras»!
Os índios da minha vida ou filhos da terra batida
Os índios da minha vida,
Vagueiam montes, ladeiras
Filhos da terra batida
E banham nas cachoeiras.
O perfume que levantam,
Tríade que vem do chão,
As melodias que cantam
São compostas pela razão.
Deixam no monte caminhos,
Trilhos de zorra de antanho,
Cantaria perpianho,
Pedras de todo o tamanho,
Poisos, lagares e moinhos.
Arquitectos, engenheiros,
Até lhe chamam pedreiros,
Todos carregam farnel,
Ferro do monte cinzel,
Ponteiro, maceta e guilhos,
Marcas que deixam prós filhos,
Já nasceram na soleira.
Vivem na terra batida,
Só banham na cachoeira.
Abílio Bastos, Abadim, 1963
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