Manuel Fontoura: primeiro discurso na Assembleia da República, em 1978
Excerto 1Manuel Fontoura, enquanto Secretário da Mesa da Assembleia da República, ao lado direito do então Presidente da Assembleia da República, Leonardo Ribeiro de Almeida |
Manuel Henriques Pires Fontoura, genuíno transmontano, para além da sua vida familiar exemplar, sempre ao lado de sua esposa Adelina, também transmontana, e por ela constantemente apoiado, aconselhando-o nas diversas decisões, algumas difíceis, tomadas ao longo de uma vida em comum, juntamente com filhos, netos e bisnetos, Manuel Fontoura foi um homem de trabalho, muito ativo socialmente, ligado a movimentos e associações, guiando-se fielmente por princípios cristãos até ao fim dos seus dias. Participou durante muitos anos na vida política regional, mas também a nível nacional enquanto deputado.
Transcrevo, nestas páginas, em alguns excertos, o seu primeiro grande discurso na Assembleia da República, em 31 de janeiro de 1978, a propósito das carências que, já nesse tempo, obstavam a entrada do progresso em Trás-os-Montes, tal como está publicado no Diário da Assembleia da República, n.º 34, 1ª série:
Senhor Presidente, Srs. Deputados:
Pensei muito antes de usar da palavra neste hemiciclo, indeciso, se deveria fazê-lo ou se melhor seria aguardar que o novo governo comece a dar solução aos múltiplos problemas que todos os dias lhe são presentes e se agravam, sem resolução.
Pensei muito, porque falar só por falar, para que as boas gentes das esquecidas terras transmontanas saibam que se falou nos seus problemas, é, quanto a mim, desonesto, pois raras vezes se lhes faz justiça resolvendo-os, apesar de por demais conhecidos.
Hesitei também porque não gostaria que a minha voz fosse mais um grito no deserto, como tantos outros saídos de peitos cansados e em desespero e que se perderam na aridez dos corações daqueles que podiam e deviam responder-lhes e não o fizeram.
Mas como “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”, decidi-me juntar a minha voz à de tantos Srs. Deputados que aqui tão brilhantemente o fizeram já, engrossando a gota de água, mole é certo, mas que constante e pacientemente irá ajudar a demolir a rigidez e resistência dos responsáveis pelo Governo deste País.
As terras outrora cultivadas negrejam há muito abandonadas pelos homens válidos que, desiludidos, mais pobres e em luta aberta contra a fome e infortúnio, demandaram a salto, como foragidos, terras do estrangeiro na esperança de obterem outros lucros, sabe Deus por que preço.
As mulheres, crianças e velhos viram, com a emigração dos seus maridos, pais e filhos, aumentar as suas dificuldades e necessidades. Ouviram um dia falar na revolução de Abril, nascendo com ela uma nova esperança nos seus corações. O tempo foi passando, as promessas feitas não se realizaram, do estrangeiro já não vem com abundância o dinheiro indispensável para poder fazer face às despesas quotidianas e, aos poucos, essa esperança vai esmorecendo, e permita Deus, que não desapareça.
Nunca será demais falar nas carências e nos reais problemas suportados com uma paciência de dimensão desconhecida pelas pobres gentes das terras transmontanas.
Tudo ou quase tudo lhes falta e por mais que tente relacionar essas carências e problemas haverá sempre mais uma, quiçá a mais importante, que me escapa.
Pela limitação do tempo de que disponho não poderei desenvolver capazmente mais do que uma ou duas das carências de entre tantas que, Santo Deus, são farturinha nas nossa terras. Prometo futuramente dar a cada uma delas o relevo e importância que merecem.
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