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"É pra maia"

por Jorge Lage

Maias
Imagem obtida na freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão, entre os lugares das Paredes e Saudel.

Em véspera do 1.º de Maio, bem cedo, no Mercado Municipal de Braga, dei com imensos ramos de gestas ou maias a serem vendidos pelas lavradeiras, emprestando ao local um odor campestre. Diziam-me das giesteiras negras floridas: - é pró Maio! Outras vendedeiras aconselhavam: - é para não entrar a preguiça. Outras asseguravam que: - é para não entrar o mau-olhado.
Todas me queriam vender um ramo ou uma coroa e eu tinha de explicar-lhes que o meu interesse era para saber o que elas pensavam sobre esta milenar tradição maioca religioso-profana.
A sua origem remonta muito para além das civilizações grega e romana, com as florálias e o culto à deusa Maia, muito para além das civilizações egípcia ou fenícia, esta última com as festas de arromba, com os tabuleiros de trigo espigado, em honra de Adónis. As menções bíblicas à festa da Páscoa judaica ou a saída dos hebreus do Egipto e a marcação das portas com sangue de cordeiro para o anjo exterminador só castigar os egípcios, são facetas de uma ampla manifestação de impotência humana perante os perigos e adversidades, em que se implora a protecção e a ajuda da divindade.
As origens das Maias, chamem-lhes os nomes que se quiser, são tão antigas quanto a consciência humana tem das suas imensas fragilidades e insegurança. Por isso, tinha que se invocar ou propiciar forças divinas ou divinizadas para protegerem os humanos. Dizia, a propósito, Cícero, citado pelo etnógrafo linguístico, Manuel Carvalho Martins, na sua renovada e actualizada monografia «Por Aquas Flavias», «é pela religião que nós vencemos o Universo».
Certo é que o cristianismo durante a Idade Média, e Moderna, reprimiu estas manifestações entre os cristãos por considerá-las dendrólatas e idólatras, na medida em que se prestava culto às árvores ou às forças da Natureza divinizadas, bem como a ícones e a raparigos, Maias (meninas) e Maios (meninos), que encarnavam a tradição das festas de Maio.
Essas proibições da hierarquia cristã deixaram de fora os judeus e mouros que as celebravam em festas que tudo era permitido e que os cristãos das cidades assistiam de longe com pena e inveja. Quem é que não gosta de comer, beber e divertir-se?
Também, nos meios rurais e isolados era impossível fazer-se cumprir a proibição e as Maias chegaram até aos nossos dias. Quem, com mais de 60 anos, que viveu a infância no meio rural transmontano, não se lembra de no primeiro de Maio ver os ramos de giestas nas portas, portões, janelas, carros de bois e no apeiro ou nos galhos dos animais domésticos?
Os últimos 30 ou 40 anos têm sido de uma grande erosão desta tradição de Maio. Contudo, podemos afirmar que na última década, do Norte ao Sul de Portugal, as manifestações culturais de festejar a entrada do mês de Maio, têm sido retomadas.
Não se percebe bem por que é que alguns professores importam manifestações culturais que nada nos dizem, a não ser pelo insólito e pouco mais, e se esquecem ou se envergonham do que faz parte da nossa cultura telúrica e profunda? É tão simples a celebração das Maias que basta pouco mais que imaginação e criatividade nas escolas, nas associações culturais e nos municípios, como tentamos demonstrar no livro «As Maias entre mitos e crenças».
No caso de Chaves e de Trallosmontes é só dar um saltinho à Galiza e ver como se anima, como se convive, como se recria, como se poeta (nas belas coplas galegas) e como se geram mais valias. Tanto mais que o feliz «casamento» associativo de Chaves e Verín na Eurocidade pode gerar uma grande mobilização com gastos mínimos e retornos de investimento máximos. Assim se queira.
Em suma, as tradições de Maio emanam, naturalmente, da alma do povo, por isso souberam resistir ao longo de séculos à sua total cristianização. Contudo, a voragem da globalização está a esfumá-las da nossa memória.
Estamos convictos que há mais de um século ainda se ouvia por Trallosmontes: - é pra Maia! E lá caiam na cesta da demanda, uns reis, umas castanhas secas ou maias, um fumeiro ou folar. Para se celebrar e memorar é preciso festança e mantença.

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