E N C O N T R O
Uma relação à distância ocorria debaixo de uma modesta normalidade, como se o sol e o resto dos astros conhecidos ali tivessem permanecido com regularidade, a transmitirem como coisas banais os raios de luz de sempre, sombras e contrastes. De igual para igual, as dimensões, também elas regulares, tornavam-se estabelecidas premissas, dando à consciência contas de acontecimentos naturais nas vidas comuns e na minha própria.
Pelo quotidiano percorrem-se caminhos que caracterizo de uma agradável
fluidez, mas, de modo espontâneo, surgem traços na paisagem, nada
esclarecendo, pelo menos à primeira vista, até porque as atenções ocupam
diversos lugares sem que tenham a capacidade de os remexer pelas gavetas da
memória. Posicionam-se disformes, perfazendo conjuntos dirigidos para o alto
dos nossos olhos, conseguindo despertar-me e despertar-nos com o passar do
tempo, como se este existisse só, até ao fim. Três ramos dirigem-se para a
linha do horizonte, sem arte, disse-se. Sem harmonia, com a fortaleza,
contudo, de quem ali estabelece um qualquer propósito: uma comunicação, um
agrado, um dizer. Por entre conjeturas e aspirações, e simplórias preocupações
sobre materiais, formas e comparências tardias ao trabalho, de entremeio com a
rega do quintal que me coube em destino este ano, eis-nos chegados à entrada
do largo da Casa de S. Lourenço. Como é habitual, retiro-me pela porta do
automóvel em direção ao cadeado que assinala a entrada. Antes mesmo de o
abrir, inesperadamente, reparo que uma aura envolta num pequeno sopro de vento
poisa sobre a extremidade do muro, onde, durante décadas, sempre se sentaram
as pessoas da aldeia. Humana silhueta de estatura normal, pareceu-me, ou
simplesmente ocorreu-me o pensamento da figura de meu pai, afirmando eu,
sorrindo, por mera brincadeira, que era meu pai.
― Olha! Meu pai…!
Consciente de que não era, estando eu mais próximo agora da abertura do
cadeado, levanta-se, para surpresa minha, o meu pai, semblante de límpida
serenidade ―, uma aparência de idade avançada, mas com a força suficiente para
elevar-se daquele canto do muro, dirigindo-se-me naturalmente, como se ainda
há pouco nos tivéssemos encontrado.
― É meu pai…! ― saíram, de sinápticas lonjuras, entrecortados os pensamentos.
Sem bem compreendê-las, pronunciou duas palavras, num encontro breve, que
perdura!
ToFernando
15/07/2021
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