Finalmente o projeto das cagalhetas de Tchico, transmitido a Nanico
Agora que ajudaram ao reco do Ti Zé, estando o serviço concluído, Tchico e Nanico, de novo reunidos nas já habituais segundas-feiras de madrugada, poderiam agora discutir a ideia do projeto que Tchico tinha em mente.
Nanico ouvira já rumores sobre o assunto, mantendo-se expectante e algo apreensivo, pois sabe que Tchico tem ideias às vezes atravessadas.
Antes ainda do assunto principal deste encontro, Tchico, que se julga um tipo esperto, e assim é considerado pelos seus conterrâneos, puxa a conversa da ajuda ao reco: que tudo correu bem, como esperado, e que os dois desempenharam um papel importante na amanhação do reco.
Nanico recordou em breves palavras a primeira vez que, na adolescência, ajudou em empreitada semelhante, atirando-se empinado e vaidoso para o acontecimento. No entanto, no final, após a queima do pêlo, sentiu a quentura das unhas do animal que os mais velhos utilizavam então para introduzir nos bolsos dos aprendizes, ridicularizando-os.
Nanico confessa ao amigo que, com esse gesto dos mais velhos, aprendeu uma importante lição que leva para toda a vida!
- Bem, mas vamos lá ao que interessa - disse o Tchico.
- E vou ser rápido, pois não há tempo a perder. Não te tinha dito, mas um amigo em quem tenho toda a confiança deu-me instruções de como é que o negócio vai desenrolar-se: tudo começa com a recolha das cagalhetas das minhas cabras e das minhas ovelhas, que como sabes, Nanico, já é um trabalho que tenho vindo a realizar, aproveitando essa recolha como estrume para as leiras que herdei do meu saudoso padrinho. Mas agora, o resultado dessa recolha vai servir de composto mais sofisticado com fins que agora não vêm ao caso. O tal meu amigo encarregar-se-á disso. Mas antes, teremos de elaborar o projeto, juntamente com ele, pois é ele que conhece realmente todos os passos que teremos de dar para tudo correr como está previsto. E olha que ele é de toda a confiança, podes acreditar. Entregue esse projeto, e mesmo que as cagalhetas não deem resultado, o meu amigo assegura-nos um subsídio como nem tu nem eu nunca sonhámos. É verdade! Claro que parte desse subsídio será canalizado para outros fins, que também não interessa agora discutir. Mas o que restar dará para o nosso sustento, e se não me engano, para uns bons anitos sem nada fazer. Tu vais ver. Para já, o que tens de fazer é abrir uma conta bancária em teu nome. É lá que a maquia será depositada. Como és o meu melhor amigo, eu não desconfio de ti, e tu, espero bem não desconfiarás de mim. Dás-me o número dessa conta e, resta-te esperar. Não precisarás fazer mais nada, e eu vou-te dando indicações sempre que seja necessário.
Nanico, nesse momento, apesar de calmo e pouco falador, tem a cabeça aos pulos, e mesmo assim silencioso nas palavras.
De forma súbita, arrasta para trás violentamente o banco em que se sentara, levantando-se em simultâneo.
Com a mão esquerda encaixa uma das malgas das azeitonas sobre a outra, estendendo-se-lhe o dedo médio da mão direita, apontado ao nariz pontiagudo de Tchico, que sinceramente, não estaria à espera de tal reação.
Enquanto se aproxima da porta da tasca em direção ao exterior, perante os olhares incrédulos do Ti Zé, ouve-se ainda a voz do Tchico, enquanto se escapa, ladeira a baixo:
Porra que o homem é cismático… ou está possesso, ou é maluco…
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