O Tchico pede ajuda ao seu amigo Nanico
A estória passa-se, pelo menos por enquanto, na aldeia do Cimo do Monte, onde pouco mais há que fragas e arrascalheiros.
Nanico será uma boa escolha para constituir uma certa sociedade. Pelo menos em relação aos negócios, assim julga o Tchico - figura de considerável esperteza daqueles montes - Nanico sempre foi uma boa amizade, e as trocas que com ele efetuou deram resultados positivos.
Na aldeia do cimo do monte, onde apenas um estabelecimento comercial demonstra a sua existência, com o bom vinho de pasto e as sandes de chouriço demolhado em azeite, dois personagens desse lugar costumam tomar assento a uma das mesas carcomidas pelas humidades e andanças do tempo, entre o postigo e a única porta de entrada para o estabelecimento.
Pelas madrugadas de todas as segundas-feiras, vindos nunca ninguém sabe donde, fazem questão de discutir o que têm para discutir, acompanhados do mesmo vinho de pasto, e além das tais sandes de chouriço, umas boas dúzias de azeitonas salgadas que puxam a molhar o bico fazem parte dos encontros entre os dois e ajudam ao desenvolver das falas e das ideias.
O dono do estabelecimento, ou tasca, como queiram chamar, conhece bem os seus clientes e sabe das suas preferências. No caso destes – o Tchico e o Nanico – desde há muito que os seus prazeres vão para o amaciamento das azeitonas com o azeite das planícies que suportam os montes em redor, e dois dentes de alho cortado muito miudinho a saltearem aquela mistura.
É notória a desenvoltura da conversa pelos temas discutidos em favor do empreendimento que o Tchico, conhecido por Tchico da Cagalheta, pretende levar por diante, com a ajuda do seu amigo Nanico.
– Ó Tchico, contas? – pergunta com autoridade, o Nanico.
– Contas é comigo. Faço de tudo. De somar, de subtrair e até "d’ir e vir".
"D’ir e vir", entendeu o Tchico que seriam aquelas que tinham a ver com a distribuição dos lucros, como assim procedem as negociatas civilizadas. Mas em relação a essas contas esquisitas que não vêm no rol das matemáticas, Tchico não terá alcançado o verdadeiro significado da expressão. Nanico não é daqueles que se deixam enganar ou influenciar facilmente, apesar do seu semblante às vezes patético, podendo indiciar uma certa ingenuidade.
A reunião continuou com bastante entusiasmo e até finura, tratados que foram os pontos principais, com duas malgas de azeitonas esvaziadas e o dobro de canecas de igual modo.
– Sabes, Nanico, sim, sim, eu bem sei que sabes, que nós aqui, no cimo do monte, não temos mais que fragas e arrascalheiros, por isso, sendo tu, tal como eu, um tipo ambicioso, estou convencido que me ajudarás neste empreendimento, e com respeito aos lucros, se é isso que te mexe o pensamento, não te deixarei ficar mal.
– Olha, vamos andando que é dia, e o dono da tasca que anda com um ar esquisito quer encerrar e precisa dormir.
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